25 agosto 2006

PURO E DURO

Ontem os prezados blogues camaradas A Voz Portalegrense e Fascismo em Rede e naturalmente os Homens por trás dos mesmos, decidiram, em boa hora, homenagear o Professor António José de Brito. Aqui fica hoje uma entrevista do homenageado ao jornal "Independente" em 1999.

«Respire fundo. Vai ler algo talvez indigesto para estômagos profundamente democratas. António José de Brito não tem medo das suas opiniões. E convicções. Aos 71 anos, considera-se ainda suficientemente mal comportado para que ninguém lhe diga o que deve dizer, fazer ou por onde ir. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e doutorou-se em Fiosofia, em França. Em 1994, foi aprovado no concurso para professor catedrático da Faculdade de Letras, onde leccionou Filosofia da Linguagem. Nas privadas, deu Filosofia do Direito. Está ligado à Universidade Portucalense e convidaram-no para dar aulas semestrais na Lusófona. Escreveu em jornais como “Diário da Manhã”, “A Rua”, “O Diabo” e outras publicações. É ainda colaborador de algumas. Catorze livros publicados, um dos quais, “Para a compreensão do pensamento contra-revolucionário”, diz ser aquele onde se terá apurado mais. Tem o mais profundo desprezo pela democracia.
Recebe-nos numa casa atulhada de livros, forrada mesmo. Há exemplares em todas as línguas, por todos os cantos. Vive só e tem um sentido de humor apuradíssimo. Anda cismado com a possibilidade de lhe ser diagnosticado tumor maligno, mas, “nesta idade, mesmo que me metam tubos pela boca ou por trás, já não há o perigo de me habituar”. Diz isto e ri-se. Sobretudo se enxertada da componente política mais radical, a conversa sai inofensiva, familiar, afável, simpática, dir-se-ia estarmos diante de um avozinho querido que já não vemos há muito tempo. Diante de nós está, porém, um fascista. Assumido. Onde dói mais. Ele não gostará que lhe digam isto, mas talvez seja a superioridade moral da democracia a abrir-lhe as portas desta entrevista.

Quando se descobriu “fascista”?
Foi em Coimbra que fiz a minha descoberta ideológica, por alturas de 1945. A leitura da doutrina fascista foi um ponto de partida. Tinha 17 anos e alguma consciência política, era um conservador. E anticomunista, embora não muito consciencializado, diga-se. Aliás, dois ou três anos antes, li coisas sobre o comunismo para me informar, mas só em Coimbra é que me chegaram às mãos trabalhos com interesse, como sejam os trechos escolhidos de Marx sobre Filosofia e Economia. De resto, li também imenso os autores da Seara Nova, António Sérgio, cujo racionalismo bastante me influenciou, e Raul Proença, sobretudo. Na minha juventude, porém, apreciava Salazar, o que, naquela época, era um sentimento bastante generalizado. Mormente porque ele tinha evitado o nosso envolvimento na guerra.
Mas identificava-se com o regime?
Não muito. Aliás, quando Marcelo Caetano surgiu com a liberalização, publiquei um opuscoluzinho chamado “Sobre o momento político actual”, no qual dizia estar ao lado do regime em tudo o que fosse antidemocrático, antiliberal, anticomunista, autoritário e nacionalista, mas contra aspectos demasiado conservadores e de transigência demasiada com o capitalismo. Eu teria sido mais socializante, teria cortado mais as unhas aos grandes capitalistas. Estava mais à direita do regime e de Salazar, embora tivesse com ele pontos em comum, sobretudo quando ele podia falar à vontade, nas entrevistas com o António Ferro...
Mas houve alguma altura em que Salazar não falou à vontade?
A partir de 1945, pode ter a certeza que ele não falava muito à vontade. Embora sob reserva porque é uma informação em terceira mão que me foi contada por um grande amigo e poeta chamado Amândio César, digo-lhe que o Salazar terá enviado uma carta ao Alfredo Pimenta, na qual, a propósito do discurso do “bendigamos a paz, bendigamos a vitória”, teria escrito uma coisa deste género: “Engula esta que eu também a tenho de engolir”.
O senhor é fascista. Salazar era o quê, então?
Era um nacionalista-conservador ou um contra-revolucionário, se quiser. A diferença estará na concepção do Estado, ele entendia-o como limitado. Além disso, era católico. Ora, o fascismo é imanentista, tem grandes influências de Nietzsche e de uma certa leitura italiana de Hegel, sobretudo com Croce e Giovanni Gentile. Este enveredou pelo fascismo e o Croce assumiu o antifascismo, mas sem nunca aceitar os Direitos do Homem.
Também não subscreve a Carta dos Direitos do Homem?
Não subscrevo, obviamente, pois não tenho uma visão pessimista nem optimista do Homem. O Homem, enquanto tal, não tem direitos porque pode errar, praticar amplamente o mal, e pode até ser contra os próprios Direitos do Homem. E como é que se explica um paradoxo destes, vamos admitir que o Homem tem direito a combater os Direitos do Homem? Se não admitirmos, o Homem tem de estar submetido a uma disciplina, não tem direitos inerentes.
Mas voltando a Salazar, lembro-lhe que José Hermano Saraiva disse há pouco tempo que Salazar era antifascista...
Eu sei, eu sei, e até julgo que disse mal, mas foi por bem. Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa: até 1945, o Salazar tinha o retrato do Mussolini na sua banca de trabalho. Dizer que ele era antifascista só por graça, pelo amor de Deus! A menos que ele só tivesse o retrato para lhe cuspir.
A PIDE, a censura, que sentimentos lhe geravam?
A PIDE era uma polícia política necessária e este regime também tem uma. É possível que se tivessem cometido excessos, como cometem normalmente as polícias, mas a maior parte dos que foram julgados foram-no apenas por pertencer à PIDE. Quanto à censura, achava-a benemérita, mas muito mal organizada. Veja bem, num regime que se dizia furiosamente anticomunista, pude comprar, em Coimbra, em 1945, os trechos escolhidos de Marx. Não sou partidário da liberdade de expressão e sempre me pareceu que era melhor prevenir que remediar. Aliás, continua a haver crimes de liberdade de expressão, anda toda a gente a processar toda a gente. Nesse sentido, se calhar era melhor que não se difamasse, ou seja, tal artigo não saía, pura e simplesmente. É o que se faz nos outros crimes, para isso é que existe uma PSP. Não se espera que uma pessoa vá matar outra, podendo evitar, evita-se.
A palavra Liberdade diz-lhe alguma coisa?
Liberdade, no sentido de livre arbítrio, diz-me imenso, porque é o sinónimo da responsabilidade. Mas a liberdade não é um fim, é um meio. Há a liberdade útil e boa, mas há a liberdade que é contrária ao interesse nacional, à ordem.
E quem define essa fronteira?
No meu conceito, o governante é que definiria onde está a verdade e o erro. E a liberdade para o erro é uma coisa nociva. A verdade política teria de ser definida por um chefe. E o melhor chefe, para mim, é o rei. Costumo dizer que sou fascista por princípio e monárquico por conclusão. Mas agora também já não há reis, não é? Não há monarquia em parte nenhuma, tem um nome que não corresponde à coisa. Subscrevo o Dali. Quando lhe perguntaram se era ou não possível a restauração da monarquia autêntica na Europa, ele respondeu: com certeza que sim, mas temos um grande adversário. Qual é?, perguntaram. “Os reis”, respondeu ele.
O que é ser fascista, hoje?
Hoje é o mesmo do que ontem, enquanto doutrina. É colocar a ideia de Estado ao nível da vontade universal ou valor supremo. E entender que o homem individual se deve superar, integrando-se no Estado, tornando-se Estado. O ponto fundamental da doutrina fascista é a identificação entre indivíduo e Estado.
Há fascistas em Portugal?
Propriamente fascistas, tal qual eu me identifico, suponho que haverá três ou quatro. Monárquicos, tal qual eu julgo ser, também há muito poucos. E a extrema-direita é bastante residual. Depois há aqueles que se dizem fascistas sem saberem o que isso é, só para causarem um certo escândalo. É um fascismo folclórico. Em Portugal, não temos fascistas, é um problema.
E na Europa?
Na Europa, infelizmente, os movimentos que são considerados de extrema-direita têm um grande cuidado em demarcar-se do fascismo. É o caso, por exemplo, do Movimento Social Italiano (MSI) ou do partido do Le Pen. Também é natural que, havendo algumas organizações fascistas, tenham de se disfarçar, pois a legislação é antifascista, repressiva e muito severa.
Como é que viveu o 25 de Abril de 1974?
Estava no Porto e vivi-o com uma grande amargura. Mas não foi propriamente uma surpresa porque a governação de Marcelo Caetano era o fim do Estado Novo, colocava-o num plano inclinado. Para mim, o 25 de Abril representou o fim do Portugal histórico.
Portugal é o quê, então?
É um triângulo anárquico que vive habilmente à custa da Europa. Daqui a algum tempo deixará de viver e, então, ver-se-á em grandes dificuldades e terá um nível de vida idêntico ao de algumas repúblicas da América Central. Costumam perguntar-me coisas sobre os últimos escândalos, mas normalmente não vejo televisão, excepto filmes policiais e futebol. Sou um exilado do interior. Vivemos num regime onde não pode haver uma autêntica oposição de extrema-direita, porque a lei é severa. Mas também não há pessoas suficientes. Quando nos encontramos, trocamos impressões saudosas sobre isto e aquilo, falamos de obras que vão saindo, aprofundamos os filósofos, vivemos exilados num regime de pluralismo condicionado. De ideologia única, que é a ideologia democrática. Quem não for democrata, pois recolha à privada.
Não será antes uma ditadura liberal? Afinal, os grandes grupos económicos dominam como dominavam antes...
Com o governo socialista, privatiza-se tudo, intervém-se muito menos do que no antigo regime. Nessa altura, havia mais condicionalismos. Agora é que estamos desenfreadamente no capitalismo selvagem. Privatiza-se tudo, não lembra ao Diabo. É o Estado vendido aos bocados, o que é preciso é dinheiro. O socialismo já não está na gaveta, está no fundo da arca.
Esse é um pouco, também, o discurso dos comunistas...
Sim, sim, mas se os comunistas disserem que está a chover, eu, só pelo facto de serem eles a dizer, não vou dizer que está sol...
É-lhe indiferente a actual crise do Estado e do sistema judicial?
Assisto com a maior indiferença e total desdém. Tudo o que acontece de mau é inerente ao sistema. Assim o quiseram, assim o terão. Estou convencido de que tudo isso será arquivado... arquive-se, arquive-se! É tudo boa gente, tudo da mesma esfera. São guerras intestinas entre belos rapazes. Posso dizer, usando as palavras de Guerra Junqueiro sobre a República, é tudo um bacanal de percevejos num colchão podre.
Há quem diga que se vive um clima de fim de regime...
Não sou optimista a esse ponto [risos]. Estou até bastante pessimista...
... e acrescenta que é nestas alturas que surgem as ditaduras...
Não vejo quem possa ditar o que quer que seja, a não ser os professores primários. Se é que ainda fazem ditados. Agora a sério, não acredito que estejamos a viver um período de fim de regime. Infelizmente. Friso muito o advérbio... Infelizmente.
Como analisa o papel da Igreja, hoje?
Não sou católico, mas só lhe posso responder com uma “boutade”: enquanto o Papa for católico, já estou muito satisfeito. Mas pelo andar da carruagem, ainda tenho esperança de ver um Papa ateu. Se durar tempo suficiente, ainda verei esse espectáculo. De resto, lembro apenas que algumas encíclicas, como a de Leão XIII, por exemplo, são profundamente antidemocráticas. A democracia foi uma doutrina condenada por vários papas.
“Muitos dos que me chamaram moderado estão hoje bem colocados a nível político.” A frase é sua. A quem se referia?
Não vou citar nomes e entrar em polémicas porque considero-os absolutamente inúteis. Nem eles mudam nem eu. Posso, no entanto, recordar que alguns estiveram comigo, em 1967 ou 68, num curso de formação nacionalista, em Sintra, e achavam que eu não era suficientemente revolucionário. Estavam lá vários moços que achavam que eu não tinha aquele fervor nacional-revolucionário que eles tinham. Olhe, também lá apareceu o professor Hermano Saraiva... Agora, uns estão em Bruxelas, outros são chefes de gabinete ou estiveram em gabinetes dos governos de Cavaco Silva. E por aí adiante. Vi-os esaparecer, voláteis, a bater as asas. Primeiro, com espanto, mas agora já nada me espanta.
Mas como os define? São fascistas envergonhados?Eu diria é que são fascistas desavergonhados!
Veiga Simão é um desses casos?
Conheci-o em Coimbra, dirigente do Centro Universitário da Mocidade Portuguesa. Diria que é um homem que sabe seguir os acontecimentos, com muito talento, aliás. Sabe estar na crista da onda. É brilhante e, como digo, já nada me espanta. A democracia soube reciclar muito bem os fascistas e estes também souberam reciclar-se. Têm muito talento e devem olhar para as pessoas como eu julgando que somos idiotas. Consideram-nos uns desmancha-prazeres até porque o argumento deles é sempre o mesmo, ou seja, “não se podia fazer outra coisa”.
Alguma vez a democracia o tentou reciclar a si?
Não, não, teve sempre esse bom gosto, essa delicadeza.
Quais são os adversários que mais respeita?
Em Portugal, devo dizer-lhe que sou muito irrespeitoso para quase toda a gente. Respeitei os comunistas quando eles estavam na clandestinidade, quando se arriscavam. Eram inimigos, mas corajosos. Depois de os ver actuar no 25 de Abril, fugindo às responsabilidades, perdi-lhes um certo respeito.
Que opinião tem de Soares e Cunhal?
Por Álvaro Cunhal tenho algum respeito. Deu a face, arriscou, nunca meteu o comunismo na gaveta. Quanto a Mário Soares, bem... só neste regime pode ser considerado um grande vulto. Sabe uma coisa? Portugal tem um problema gravíssimo, uma doença na coluna, que é a falta de espinha dorsal. O problema é que os ortopedistas não chegam à classe política...
No “Livro Negro do Comunismo” defende-se a tese do paralelismo entre comunismo e fascismo...
É inteiramente errado dizer isso. Nos pressupostos filosóficos e nos objectivos políticos, a diferença é abissal.
Leu o “Mein Kampf”?
Sim, sim...
Gostou?
Não, não gostei, considero ter sido uma coisa ultrapassada pelo próprio Hitler e pela própria legislação nacional-socialista. Aliás, por alturas da ocupação da Renânia, o Hitler dizia: “Eu não sou um escritor, o ‘Mein Kampf’ é uma obra que estou a tentar emendar no campo da acção.
Hitler é uma das suas figuras de referência?
Em alguns aspectos, sim, embora não concorde, por exemplo, com o seu conceito de racismo, sustentado em termos biológicos. É uma referência em termos de solução entre capitalismo e comunismo, na instauração de um Estado autoritário e da identificação do povo tomado como valor, paralelo ao fascismo. O nazismo foi, em certo sentido, um bem, não foi um mal absoluto. Mas deve condenar-se o que é condenável. Se, por hipótese, o holocausto tivesse existido, não deixaria de o condenar. Penso que os inimigos não devem ser eliminados, mas, isso sim, reduzidos a um grau de não-nocividade política. É, aliás, o que fazem as democracias com algumas pessoas, mas sem a coragem de o assumir.
Qual é o seu conceito de racismo?
Num suplemento sobre o racismo nacional-socialista, que publiquei no meu último livro, mostro que muitos dos autores já apelam, não para hereditariedade no sentido biológico, mas sim para aquilo que chamavam a raça da alma. Clauss diz, por exemplo, que “encontramos também em cabelos pretos e corpos baixos, muitas vezes almas loiras e elegantes. A ruptura é, muitas vezes, entre almas e almas, muitas vezes entre a alma e o seu corpo”. Esta é a interpretação que admito. Nesse sentido, pode falar-se em raça tida como um tipo de homem. Um tipo de homem que será, para mim, aquele que se identifique com o Estado, a vontade universal. Stuart Chamberlain, apontado como precursor nesta questão, dizia que “o germanismo reside na maneira de sentir e pensar. O que se mostra germano é germano, descenda de quem descender”. Ora, isto leva-nos a admitir até judeus integrados no pensamento germânico. E não vejo porque não.
Qual é a sua opinião sobre o “caso Pinochet”?
É um disparate, acho tudo isto paradoxal, até, pois ensina os ditadores a não abandonarem o poder. É uma lição para eles, é como dizer “nuncas faças isto senão depois podes ir à Inglaterra e suceder-te qualquer coisa”. É muito pedagógico. O Pinochet foi um homem que abandonou o poder por sua vontade e a meu ver fez mal. Ele não é um fascista, no fundo será um liberal e está muito à minha esquerda. Até lhe dou um exemplo: quando ele estava no poder no Chile, em frente do palacio La Moneda havia um quiosque onde se vendiam jornais a dizer o pior possível de Pinochet.

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3 Comments:

Blogger Mário Casa Nova Martins said...

Reproduzir esta entrevista é partir para Férias, parafraseando Alfredo Pimenta, com ‘a consciência tão límpida como água que brota de rocha virgem.
Obrigado.
Mário

sexta-feira, 25 agosto, 2006  
Blogger A minha verdade said...

Boa entrevista...

sábado, 26 agosto, 2006  
Blogger Menestrel said...

Este homem é a PERFEIÇÃO em figura de gente!

terça-feira, 29 agosto, 2006  

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