14 fevereiro 2007

A HISTÓRIA DE UMA TESTEMUNHA: Lothar Metzger

Era dia 13 de Fevereiro de 1945, eu vivia com a minha mãe e irmãs (13, 5 e duas gémeas de cinco meses) em Dresden e estava ansioso pela celebração do meu décimo aniversário no dia 16. O meu pai, carpinteiro de profissão, era soldado desde 1939 e havíamos recebido a sua última carta em Agosto de 1944. A minha mãe estava profundamente triste de receber as suas cartas de volta com a menção “Não encontrado”. Vivíamos num apartamento de 3 quartos no 4º andar de uma zona laboral da nossa cidade. Lembro-me de ter celebrado a Terça-feira de Entrudo (13 de Fevereiro) com outras crianças. As actividades da guerra no leste aproximavam-se cada vez mais. Muitos soldados partiam para leste e muitos refugiados vinham para ocidente para a nossa cidade onde ficavam, o que aconteceu durante os raides nocturnos de 13 e 14 de Fevereiro.

Por volta das 21.30 foi dado o alarme. Conhecíamos aquele som, levantamo-nos e vestimo-nos depressa para descermos rapidamente para a cave que usávamos como protecção para os raides aéreos. A minha irmã mais velha e eu carregámos as nossas pequeninas irmãs gémeas a minha mãe carregou uma pequena mala e as garrafas de leite para as nossas bebés. Na rádio ouvimos com horror as notícias: “Atenção, um grande raide aéreo vai ser efectuado contra a nossa cidade!”. Esta notícia jamais a esquecerei.

Alguns minutos depois ouvimos um horrível barulho – os bombardeamentos. Eram explosões que não paravam. A nossa cave encheu-se de fogo e fumo e estava seriamente danificada, as luzes apagaram-se e as pessoas feridas gritavam de modo horrível. Com grande medo lutávamos sair da cave. A minha mãe e irmã mais velha carregavam o cesto onde as gémeas estavam deitadas. Com uma mão agarrei a minha irmã mais nova e com a outra agarrei o casaco da minha mãe.

Já não reconhecemos a nossa rua. Fogo, apenas fogo para onde quer que olhássemos. O nosso 4º andar deixara de existir. Os restos da nossa casa ardiam. Nas ruas os carros ardiam e carroças com refugiados, pessoas e cavalos gritavam com medo da morte. Vi mulheres, crianças e velhos feridos à procura de uma fuga por entre as ruínas.

Dirigimos-mos para outra cave apinhada com feridos e pessoas enlouquecidas, homens, mulheres e crianças gritando e chorando. Não havia luzes excepto algumas lanternas. E subitamente se iniciava o segundo raide. Também este abrigo foi atingido e assim fomos fugindo de cave para cave. Tanta, tanta gente desesperada veio para as ruas que não é possível descrever. Explosão após explosão! Muito para lá do que possamos imaginar, pior que o pior pesadelo. Muita gente horrivelmente queimada e ferida. Tornava-se cada vez mais difícil respirar. Estava muito escuro e nós tentávamos desesperadamente sair da cave com um pânico difícil de descrever. Mortos e moribundos empilhavam-se, a bagagem abandonada ou atirada para fora de alcance pelas equipas de emergência. O cesto com as gémeas foi arrancado das mãos da minha mãe enquanto éramos empurrados escadas acima pelas pessoas atrás de nós. Vimos a rua a arder, os edifícios a caírem e a tempestade de fogo. A minha mãe cobriu-nos com mantas húmidas que encontrou numa conduta de água.

Vimos coisas horríveis: adultos cremados e encolhidos ao tamanho de crianças pequanas, bocados de braços e pernas, pessoas mortas, famílias inteiras queimadas, pessoas queimadas fugiam de e para carros calcinados cheios de refugiados, pessoal de emergência e soldados muitos a chamarem ou a procurarem as suas crianças e famílias e fogo por toda a parte, fogo em todo o lado e a todo o tempo o vento quente da tempestade de fogo que atirava as pessoas contra as casas em chamas das quais tentavam escapar.

Jamais conseguirei esquecer tão terríveis pormenores.

A minha mãe tinha agora apenas uma pequena mala com os documentos de identificação. O cesto com as gémeas havia desaparecido e de repente também a minha irmã mais velha desapareceu sendo infritíferos os esforços imediatos para a encontrar. Nas últimas horas desta noite encontramos abrigo numa cave de um hospital próximo rodeados de pessoas que gritavam, choravam e morriam. Na manhã seguinte procuramos as nossas gémeas e irmã mais velha sem sucesso. A nossa casa era apenas uma ruína em chamas, Na casa onde deixáramos as gémeas não se podia entrar e os soldados disseram que todos haviam morrido queimados. Nunca mais vi as minhas irmãs bebés…

Completamente exautos com o cabelo queimado e gravemente queimados e feridos pelas chamas caminhamos até à ponte Loschwitz onde encontramos gente boa que nos deixou lavar, comer e dormir. Mas apenas durante um curto período pois subitamente se iniciou o segundo raide aéreo (14 de Fevereiro) sendo igualmente bombardeada e tendo sido queimados os nossos documentos de identificação. Completamente exaustos apressamo-nos sobre a ponte do rio Elba juntamente com muitos outros sobreviventes desalojados e encontramos outra família que nos auxiliou uma vez que milagrosamente a sua casa tinha escapado a este horror.

No meio desta tragédia eu esquecera completamente o meu aniversário. Mas no dia seguinte a minha mãe surpreendeu-me com um pedaço de salsicha que pedira à “Cruz Vermelha”. Foi o meu presente de aniversário.

Nos dias e semanas seguintes procuramos a minha irmã mais velha em vão. Deixamos escrita a nossa actual direcção nas restantes paredes da nossa antiga casa. Em meados de Março fomos evacuados para uma pequena localidade perto de Oschatz e em 31 de Março recebemos uma carta da minha irmã. Estava viva! Naquela infausta noite ela perdera-se de nós e juntamente com outras crianças perdidas fora levada para uma localidade próxima. Mais tarde encontrou a nossa morada deixada na parede e no início de Abril a minha mãe trouxe-a para a nossa nova casa.

Podem estar certos que a horrível experiência dessa noite em Dresden me provocou sonhos confusos, noites sem dormir, perturbou as nossas almas, a minha e da restante família.

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