07 março 2008

A "ESTÓRIA" DA TRETA

Num blog que frequento (logo respeitável mas que de momento não me recordo qual é, ai esta minha cabeça que manifestamente já não é o que foi...) a temática da colecção (ainda bem que ainda posso colocar os dois "c") Os Anos de Salazar, já fora abordada e dúvidas sobre a sua seriedade justificadamente levantadas, tais os figurões que nela colaboram. Aliás a publicidade à mesma com aquelas desajustadas imagens coloridas auguravam algo de muito "moderno", demasiado mesmo.
De qualquer dos modos decidi fazer a colecção (poderá valer pela iconografia)* e ontem lá comprei o primeiro volume.
Lancei-lhe uma daquelas leituras na diagonal que aqueles que andam por esta vida se habituam a fazer na impossibilidade de lerem tudo com a mesma atenção e, naturalmente, merecimento e foi o bastante.
De um tal António Simões do Paço (que parece ser o editor coordenador deste volume) colhi algumas pérolas de isenção que demonstram o interesse com que o referido indivíduo pretende falar de Salazar.
A página 11 comentando o biógrafo de Salazar, o para mim saudoso Embaixador Franco Nogueira, que num trecho exalta as qualidades de estadista de Salazar, deixa-nos o apontamento sarcástico de "E logo a seguir entusiasma-se", como se fosse necessário estar entusiasmado para descrever as qualidades de Salazar como esadista. A página 76 comentando a célebre imagem de Salazar e António Ferro, deixa-nos um "isento": "A proverbial sovinice deste é atestada pelo buraco na sola do sapato", algo seguramente impensável nos padrões do autor que deve preferir aqueles que mais atentam à aparência que ao rigor e importância da governação (sendo lícito perguntar se Salazar saberia ou não do buraco, tirando o Senhor Simões do Paço, creio que todos nós já tivemos um buraco no sapato do qual de imediato não demos conta...), mas enfim, no caso de Salazar teria que ser sinónimo de "sovinice" que é, manifestamente, pejorativo.
Lega-nos ainda, a página 81, duas outras pérolas dignas de registo. A primeira a de que "no campo das letras, a Ditadura nunca conseguiu arregimentar gente de talento". É certo, todos aqueles um pouco mais velho se lembrarão das fantásticas pérolas que após o 25A se encontravam nas censórias gavetas. A segunda a afirmação de que o SNI acabará "como coio [def: lugar onde se acoitam malfeitores; que não presta; reles] de censores e polícias semianalfabetos". E mais não é preciso dizer, sobre esta tirada, creio eu...
Uma última pérola, esta não resultante de opinião mas de ignorância ou má fé. Transcrevo um excerto da página 24: "A 27 de Abril de 1932, no quarto aniversário da sua tomada de posse como ministro das Finanças, Salazar recebe a grã-cruz do ordem do Império Colonial. No sexto aniversário do 28 de Maio, Carmona agracia-o com a grã-cruz da Torre e Espada. O acto reveste-se de um simbolismo especial: tradicionalmente, a grã-cruz da Torre e Espada, quando atribuída a civis, está reservada a chefes do Governo [algo que não consta da legislação], e ainda assim só após três anos de funções [idem]". É evidente o implicito favorecimento e carácter de excepção que pertende encerrar esta tirada que parece claramente de má-fé. Todavia, e lamentavelmente, esqueceu-se tão insígne "estoriador" de referir (desfazendo assim o "simbolismo especial") que a recebeu, por exemplo, o caça frades (Afonso Costa) após 26 meses de chefia de governo e, mesmo assim, repartidos por três períodos diferentes...
Mas para este, presumo, já não seria uma excepção nem teria "simbolismo especial"...
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* Com manifesta reserva, devo dizer-vos, pois do cardápio apresentado se esperava uma história "isenta e desapaixonada". Aliás, durante muitos anos não priviligiei na minha biblioteca esse período, invariavelmente apresentado ora a preto ora a branco, sendo raras as versões a "cor".
Como tantas vezes aqui tenho dito não se espera, nem sequer se deseja, que o historiador escreva uma história amorfa ou absolutamente desapaixonada (nem tal é possível), mas manda a decência de quem abraçou esta profissão que não se escreva quem se odeia, pois, evidentemente não sai nada de interesse, excepto propagandístico, claro está. A mim por exemplo garanto-vos que jamais me apanharão a escrever, por exemplo, sobre aquele marquês idolatrado pela maçonaria, o caça frades da 1ª república (de quem o meu bisavô José Augusto de Oliveira era amigo... mas disso não me pode ser imputada culpa) ou o "marquês" de Nafarros. É uma questão de decência e de respeito para com a musa Clio.

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1 Comments:

Blogger Mário Casa Nova Martins said...

Caro Humberto Nuno

Como assinante da "Sábado", teria direito a um desconto de 20% sobre o preço total.
Nem assim!
Felizmente nunca será "obra de referência".

sábado, 08 março, 2008  

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