27 julho 2008

A EXTRADIÇÃO

Como era previsível, as notícias que chegam da Sérvia dão conta que um em cada três sérvios considera que o ex-líder sérvio bósnio, Radovan Karadzic, foi um herói, enquanto que a maioria (54%) se revela contra a sua entrega ao TPI.
Aliás, relativamente a este "tribunal" a hostilidade é manifesta com 86% dos inquiridos, numa óbvia manifestação de lucidez, a considerá-lo "anti-sérvio" e "parcial", não se lhe conhecendo idêntico zelo na condenação de líderes muçulmanos que cometeram atrocidades contra os sérvios...
Como um dia me disse um amigo sérvio: "desde 1999, quando a NATO nos atacou e bombardeou, que o povo Sérvio enloqueceu, de outro modo de que maneira se pode explicar a nossa rendição e prostração?". Sábias palavras estas sobre as quais muitas vezes tenho reflectido e que cada vez mais me parecem actuais.
A história da guerra contra a ex-Jugoslávia vem-nos, como bem sabem, sendo apresentada de acordo com a exclusiva visão dos vencedores, os EUA e a UE, de um lado estão os muito bons e de outro os muito maus: os Sérvios. A uns, os primeiros, nada se aponta, aos segundos todos os males são imputados.
Quem se lembra que Karadzic, como Sérvio, se opôs exclusivamente à declaração unilateral de independência que o muçulmano, Alija Izetbegovic, levou cabo na Bósnia, após um "referendo" que a UE (apesar de não acautelar direitos de minorias...) sancionou? Quem se recorda que tudo começou com uma lúcida denúncia de Karadzic de que se pretendia implantar uma República Islâmica na Bósnia? Quem se lembra que abandonou Sarajevo com o propósito análogo criar a República Srpska' O conflito entre esses mundos litigantes era (e é) inevitável e os excessos de parte a parte sucederam-se (hoje aos sérvios nem a possibilidade de se juntarem à pátria-mãe é consignada), como sempre com dois pesos e duas medidas a "comunidade internacional" só aos bons concedia o direito de auto-determinação. Os Sérvios lutaram, contra aqueles que apostaram (e apostam) na sua destruição, foram derrotados, chacinados e, sobretudo, demonizados.
Ainda um dia se descobrirá porque era importante para o ocidente a completa destruição da Jugoslávia e a castração do povo sérvio... Estou certo que a história justificará muitas das acções tomadas nesta guerra, se não as justifica já... Veja-se o Kosovo.
Apesar das declarações de ontem do Primeiro-Ministro Sérvio, Mirko Cvetkovic, de que a cooperação com o tribunal da Haia é importante para a defesa da soberania da Sérvia, uma vez que o seu país segue um escrupuloso respeito pelo direito internacional (embora esse mesmo direito não tenha demonstrado a necessária isenção para com a Sérvia...), quer se trate desta questão de cooperação com o tribunal internacional, quer contra a declaração unilateral de independência do Kosovo (análoga, aliás à da Bósnia e igualmente defendida pela UE e EUA...), resta esperar para ver que espaço de manobra será, uma vez mais, deixado ao governo de Belgrado.

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