À LAIA DE INTRODUÇÃO AO TEMA DO REVISIONISMO
À laia de Introdução
A História é a versão do passado sobre a qual as pessoas concordaram
Napoleão Bonaparte
Conceito:
Revisionismo – tendência para rever as bases de uma doutrina ou sistema. Pode referir-se ao reexame de acontecimentos históricos passados de modo a questionar o saber convencional e apurar o que realmente ocorreu durante um determinado momento histórico. No domínio da historiografia o revisionismo histórico será entendível como um exame hipercrítico dos factos históricos, assumindo-se que a história tradicionalmente contada poderá não ser inteiramente rigorosa.
Todo o historiador, sempre descontente com o estado da “verdade” que lhe é apresentada e produto do seu tempo, deve ser por definição um revisionista. A História é, nas suas conclusões, sempre subjectiva, nenhum de nós por maior isenção que busque a consegue na plenitude. Para ilustrar esta dificuldade recorro sempre a um exemplo propositadamente simples; diferentes fotógrafos ao registar um determinado acontecimento histórico tenderão a optar por ângulos ou enquadramentos diversos que condicionarão a interpretação futura que de tais imagens se possa fazer. Se isso acontece com uma simples – e tendencialmente objectiva – fotografia, quanto mais com o escrito resultado da elaboração de um historiador impregnada dos seus conceitos, anseios, bagagem (filosófica, estética, cultural, religiosa, etc.) e naturalmente desacertos. Mas como uma vez afirmou Ionesco nem sempre a realidade é realista. Embora mantendo em mente a definição de objecto da História proposto por Leopold von Ranke, no já distante século XIX, de que o seu objecto “é dar os acontecimentos do passado como eles na realidade se passaram” os historiadores, como dizia Braudel refutando a crítica dos filósofos aos historiadores de que nem sempre sabem ao certo a História que fazem, respondia “Pensamos, entretanto ser preferível não sabermos ao certo a História que fazemos e fazermos História do que sabermos muito bem a História que faríamos, mas que nunca chegamos a fazer…”[1]. O conceito de revisionismo histórico é pois inerente à condição de historiador, é no fundo a essência da história em permanente construção, senão para que escreveriam sucessivos historiadores de sucessivas gerações sobre um mesmo tema? Qualquer historiador que se não sinta, perante um dado acontecimento histórico de uma área de que goste ou sobre a qual possua uma informação mais do que a essencial, um potencial revisionista terá, garantidamente, errado no seu mester.
Pessoalmente assumo a minha postura revisionista e já dela fiz uso, diversas vezes, para a análise e posterior publicação de mitos da história pátria que, a meu ver, se não encontravam devidamente posicionados no panorama historiográfico nacional. Creio mesmo que no plano cultural se me possa associar a classificação de um dissidente. Nas minhas deambulações, ocorrem-me de imediato duas situações, a contestação de uma imagem idílica do Infante D. Pedro[2] e outra a da lusa heroicidade do navegador Fernão de Magalhães[3], em ambos casos me pareceu que a historiografia os mitificava e que tal não correspondia à minha leitura dos factos. A história é isso mesmo, a nossa leitura dos factos sujeita a um crivo, tão apertado quanto possível, que a expurgue de subjectividade excessiva, a reconstrução do passado de acordo com a nossa análise. Não haverá, assim, nenhum historiador, digno desse nome, que possa ser indiferente à reposição, ou recomposição da verdade histórica, seja ela numa grande ou pequena extensão.
Ainda recentemente a reputada historiadora espanhola, Maria Pilar del Hierro afirmava, que a busca da verdade histórica será sempre a grande questão dos historiadores. Afirmando que se deve deixar sempre uma margem razoável de dúvida antes de avalizarmos uma verdade histórica e alertando para que não esqueçamos de que mesmo os documentos podem ser falsificados. “O historiador tem de ser um céptico, deve ter presente que a todo o momento pode aparecer uma prova inédita, algo que desvirtue aquilo que tinha como sendo a verdade. Não há verdades absolutas”[4].
Lembrando, uma vez mais, Braudel, “Nada temos a opor à crítica dos documentos e materiais histórico. O espírito histórico é basicamente crítico”[5], ou concluindo, numa feliz expressão de Lucien Febvre, “o historiador não tem o direito de desertar”[6].
A História é a versão do passado sobre a qual as pessoas concordaram
Napoleão Bonaparte
Conceito:
Revisionismo – tendência para rever as bases de uma doutrina ou sistema. Pode referir-se ao reexame de acontecimentos históricos passados de modo a questionar o saber convencional e apurar o que realmente ocorreu durante um determinado momento histórico. No domínio da historiografia o revisionismo histórico será entendível como um exame hipercrítico dos factos históricos, assumindo-se que a história tradicionalmente contada poderá não ser inteiramente rigorosa.
Todo o historiador, sempre descontente com o estado da “verdade” que lhe é apresentada e produto do seu tempo, deve ser por definição um revisionista. A História é, nas suas conclusões, sempre subjectiva, nenhum de nós por maior isenção que busque a consegue na plenitude. Para ilustrar esta dificuldade recorro sempre a um exemplo propositadamente simples; diferentes fotógrafos ao registar um determinado acontecimento histórico tenderão a optar por ângulos ou enquadramentos diversos que condicionarão a interpretação futura que de tais imagens se possa fazer. Se isso acontece com uma simples – e tendencialmente objectiva – fotografia, quanto mais com o escrito resultado da elaboração de um historiador impregnada dos seus conceitos, anseios, bagagem (filosófica, estética, cultural, religiosa, etc.) e naturalmente desacertos. Mas como uma vez afirmou Ionesco nem sempre a realidade é realista. Embora mantendo em mente a definição de objecto da História proposto por Leopold von Ranke, no já distante século XIX, de que o seu objecto “é dar os acontecimentos do passado como eles na realidade se passaram” os historiadores, como dizia Braudel refutando a crítica dos filósofos aos historiadores de que nem sempre sabem ao certo a História que fazem, respondia “Pensamos, entretanto ser preferível não sabermos ao certo a História que fazemos e fazermos História do que sabermos muito bem a História que faríamos, mas que nunca chegamos a fazer…”[1]. O conceito de revisionismo histórico é pois inerente à condição de historiador, é no fundo a essência da história em permanente construção, senão para que escreveriam sucessivos historiadores de sucessivas gerações sobre um mesmo tema? Qualquer historiador que se não sinta, perante um dado acontecimento histórico de uma área de que goste ou sobre a qual possua uma informação mais do que a essencial, um potencial revisionista terá, garantidamente, errado no seu mester.
Pessoalmente assumo a minha postura revisionista e já dela fiz uso, diversas vezes, para a análise e posterior publicação de mitos da história pátria que, a meu ver, se não encontravam devidamente posicionados no panorama historiográfico nacional. Creio mesmo que no plano cultural se me possa associar a classificação de um dissidente. Nas minhas deambulações, ocorrem-me de imediato duas situações, a contestação de uma imagem idílica do Infante D. Pedro[2] e outra a da lusa heroicidade do navegador Fernão de Magalhães[3], em ambos casos me pareceu que a historiografia os mitificava e que tal não correspondia à minha leitura dos factos. A história é isso mesmo, a nossa leitura dos factos sujeita a um crivo, tão apertado quanto possível, que a expurgue de subjectividade excessiva, a reconstrução do passado de acordo com a nossa análise. Não haverá, assim, nenhum historiador, digno desse nome, que possa ser indiferente à reposição, ou recomposição da verdade histórica, seja ela numa grande ou pequena extensão.
Ainda recentemente a reputada historiadora espanhola, Maria Pilar del Hierro afirmava, que a busca da verdade histórica será sempre a grande questão dos historiadores. Afirmando que se deve deixar sempre uma margem razoável de dúvida antes de avalizarmos uma verdade histórica e alertando para que não esqueçamos de que mesmo os documentos podem ser falsificados. “O historiador tem de ser um céptico, deve ter presente que a todo o momento pode aparecer uma prova inédita, algo que desvirtue aquilo que tinha como sendo a verdade. Não há verdades absolutas”[4].
Lembrando, uma vez mais, Braudel, “Nada temos a opor à crítica dos documentos e materiais histórico. O espírito histórico é basicamente crítico”[5], ou concluindo, numa feliz expressão de Lucien Febvre, “o historiador não tem o direito de desertar”[6].
[1] Fernand Braudel, Écrits sur l’Histoire, Paris, Flammarion, 1969, pp. 97-122.
[2] “Uma visão crítico-polémica do Infante D. Pedro: Opção Europeia versus Opção Nacional”, Lusíada - Revista de Ciência e Cultura (Série de Relações Internacionais), nº 3, Dezembro de 1999.
[3] “A Viagem de “Circum-Navegação”. O Tratado de Saragoça e a Partilha do Oriente”, Actas do Curso de Verão “Os Descobrimentos e a Expansão Portuguesa no Mundo”, Universidade Lusíada, 1996.
[4] Diário de Notícias, 8 Fev. 2005, p. 32.
[5] Fernand Braudel, História e Ciências Sociais, 2ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 1976, p. 92.
[6] Lucien Febvre, Combats pour l’Histoire, Paris, Éditions A. Colin, 1953, p. 229.
3 Comments:
Excelente texto! Uma reflexão séria e necessária sobre o revisionismo, longe de agendas políticas.
Como escrevi no meu blog, o revisionismo precisa de ser revisto.
Um abraço.
Simples curiosidade: como é que explica a presença do nome do Braudel que escreve que «Nada temos a opor à crítica dos documentos e materiais histórico. O espírito histórico é basicamente crítico» nessa monumental imbecilidade que é a petição dos 34 historiadores (publicada no Le Monde), onde se escreve, a propósito das câmaras de gás do «Holocausto»: «Il ne faut pas se demander comment, techniquement, un tel meurtre de masse a été possible. Il a été possible techniquement puisqu'il a eu lieu»?
A minha sugestão de resposta é esta: o Braudel é um historiador de bordel, e não é o único.
Qual é a sua?
Outra breve pergunta suscitada pela «reflexão séria e necessária sobre o revisionismo, longe de agendas políticas» (do comentador Branquinho): muito recomendável, mas como é que se pode reflectir sériamente sobre o revisionismo, longe de agendas politicas, presumivelmente perto da pureza dos anjinhos do céu, longe das prisões e canos das espingardas anti-revisionistas?
Pode dar-me a morada do local da projectada reunião? É neste sistema solar? Talvez em Teerão?
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