Palavras proferidas por ocasião da apresentação pública da sua 3ª edição da tradução da
Ética a Nicómaco de Aristóteles.
Hoje, é lançada a 3ª edição da Ética a Nicómaco. Como o poderia ter adivinhado durante os meses passados em Freiburg, na Floresta Negra, a traduzi-la? Impensável. Mas, afinal, “non canimus surdis” [“não cantamos para surdos”, Vergílio, Écloga X, v. 8].
A tarefa do tradutor de Aristóteles é quase inexequível. Diz-se de Hermolaus Barbarus, seu comentador e tradutor no Renascimento, que, ao ficar enredado em dificuldades, aparentemente insuperáveis, teve mesmo de conjurar o diabo para o ajudar. Se calhar, a nossa situação é ainda hoje a mesma de Hermolaus Barbarus. Sobretudo, num País em que, desde 1974, depois de 30 Ministros da Educação, o Grego e o Latim foram extirpados e varridos dos “curricula” do ensino Secundário. Numa época, em que uma legislatura liquidou o ensino da Filosofia no 12º ano, sem que inclusivamente os futuros Estudantes de Filosofia a nível superior a possam frequentar, para não falar já como os nossos futuros juristas, advogados e juízes, linguistas, filólogos, sociólogos, psicólogos e até seminaristas ficarão sem uma melhor preparação para as suas áreas específicas.
Mas hoje é dia de comemoramos o preceptor de Alexandre o Grande. Invoquemos o sentido para o projecto da sua ética: a excelência. O trabalho é a condição mínima de realização do humano. O que nos maximiza é o saber. Só ele dignifica. Simplesmente, consagra. É importante— hoje mais do que em qualquer outra época do passado— perceber isto mesmo: é possível fazer-se aquilo de que se gosta e não temos de passar a vida inteira a tentar gostar daquilo que fazemos. Fazer-se o que se é, não ser-se o que se faz, é uma das expressões mais radicais da vida.
Se calhar é possível relançar este ensinamento de Aristóteles. A sua origem não é o passado remoto e distante. Com efeito, a sua hora está continuamente, sempre, por ser. Um pensamento, embora arredado, feito desaparecer, permanecido na sua ausência não está morto nem acabado. O seu vigor provem do seu futuro, do que possibilita.
As palavras que encerram os pensamentos podem ficar como que congeladas num Inverno qualquer numa região incerta durante tempos imemoriais. Como dizia Plutarco, acerca das palavras proferidas pelos pensadores. Ditas da boca para fora congelam por causa do frio, sendo, depois, preciso esperar pelo Verão para as escutar descongeladas. Assim, diz-se, também terá de se esperar pela velhice para poder entender o que se escutou desde a mais tenra idade. (ἔφη ὄψε τοὺς πολλοὺς αἰσθάνεσθαι γέροντας γενομένους, citado a partir de M. J. Carvalho: 2008: Die Aristophanesrede in Platons Symposium, p. 23, meu mestre e amigo.
Palavras sábias de um Amigo, um quase irmão (daqueles verdadeiros, não dos apenas unidos por uma consaguinidade que, tantas vezes nada significa). Um abraço até ao infinito!
Etiquetas: António de Castro Caeiro, Aristóteles, Ética
1 Comments:
é interessante. eu nunca tive latim no secundário, mas alguns colegas meus tiveram-no. tive a disciplina depois, na faculdade, e continuo a achar que deveria ser incentivado o seu ensino.
nem que seja para ler os inúmeros livros que foram escritos na idade média, no renascimento, no barroco e que ainda esperam tradução para português.
aquela colecção da "patrologia" (editada, salvo erro por migne) está à espera de tradução...
um grande abraço
jorge vicente
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